por Edna Fontes e Neila Leal Portela
Ao observar que os alunos não conheciam a memória coletiva de Maracás (BA), eu e a professora Neila, também de língua portuguesa, elaboramos o projeto “Nas tramas da memória”. Para construirmos o projeto de forma coletiva, o primeiro passo foi conversar com os alunos, trabalhar a importância de conhecer a história da cidade e saber quais eram as maiores curiosidades deles. O projeto foi então apresentado à direção da escola e a outros professores, como o de história e o de geografia. Explicamos que seria uma prática de letramento, focada em retratar a história de Maracás. Em razão disso, escolhemos o gênero textual memória e, ao longo do trabalho que durou de abril a dezembro do ano passado, fomos agregando outros, como a entrevista.
Nessa construção coletiva do projeto, os alunos diziam como poderíamos desenvolver as práticas, quais pessoas seriam entrevistadas e como funcionariam as rodas de conversa. Nos momentos de pesquisa, eles próprios perceberam que o material disponível em bibliotecas e e outros espaços se resumiam a textos soltos, monografias ou pesquisas sobre assuntos específicos, mas nada mais abrangente, com foco na história da cidade.
Após o diagnóstico e planejamento, os alunos se dividiram em grupos e nós sorteamos temas para cada equipe. Cada um foi relacionando os nomes dos moradores que seriam entrevistados. Chamamos professores aposentados e pessoas da comunidade para virem até a escola. Esses moradores começaram contando uma história, que puxava outra até que alguns alunos se emocionaram quando ouviram os depoimentos.
Na sequência, fizemos uma atividade chamada de retextualização. A partir dos depoimentos das rodas de conversa e do debate que se seguia, os alunos escreviam memórias. Foi aí que percebemos a dificuldade deles com relação a parte linguística, que envolvia a produção do roteiro das entrevistas, convites para visitantes e o próprio texto de memória. Ao longo do processo, fomos trabalhando toda a parte de revisão e aprimoramento textual.
Antes do projeto, os alunos iam até a praça da cidade para se divertir e conversar com os amigos. A partir do momento em que a gente começou a estudar a história de Maracás, eles passaram a ver o local também como um espaço de pertencimento
Por meio da leitura do livro “Maracás: história, mitos e magias”, do escritor maracaense Clóvis Pereira da Fonseca –desconhecido da turma apesar de ser da comunidade –, os alunos descobriram mais sobre a história da cidade, ruas, costumes e festas populares. Nós os orientamos a fazer anotações, tudo para deixá-los inquietos e curiosos, porque iríamos promover um encontro com o autor. Foi muito emocionante, vários alunos deram depoimentos ótimos. A gente que vive no interior não tem acesso a muita coisa e esse deve ter sido o primeiro momento dos alunos com um escritor.
Um outro objetivo do trabalho era aproximar os alunos e familiares. Como eles são dessa era tecnológica, nós quisemos destacar a importância de sentar e conversar com a família, falar sobre o passado e histórias de vida. Esse momento serviu para que os alunos percebessem a importância da história de vida dos pais e desenvolvessem um sentimento de pertencimento.
Como o projeto tinha um caráter interdisciplinar, o professor de geografia explicou diversos aspectos de Maracás, como o relevo, o clima, mostrou a rua onde os escravos viveram, explicou um pouco da história da cidade e falou do processo de povoamento. Já o professor de história abordou a questão dos casarões, das famílias que fizeram parte da história da cidade e falou sobre a importância de preservar o patrimônio histórico, que culminou em uma visita a uma fazenda que serviu como recepção de escravos. Ele contou um pouco também sobre a importância de diferentes povos para a formação da cultura de Maracás e como as tradições, como a festa de São João, estão acabando como tempo.
Hoje, os alunos veem a cidade com mais respeito e percebem que fazem parte da história
Uma questão muito trabalhada durante o projeto foi o olhar dos alunos. Antes, eles iam até a praça da cidade para se divertir e conversar com os amigos. A partir do momento em que a gente começou a estudar a história de Maracás, eles passaram a ver o local também como um espaço de pertencimento. Eles agora sabem que por trás de cada casarão existe toda uma história que envolve a comunidade e hoje veem a cidade com mais respeito e percebem que fazem parte dessa história.
Colégio Normal Municipal de Maracás – Foto: Carlomagnum Filmes
Ao final do percurso, nós organizamos um seminário aberto ao público e os alunos apresentaram slides com fotos e explicações de todo o projeto, além dos textos de memória. Nesse ano, continuamos com a prática e decidimos ampliá-la, já que as atividades realizadas em 2015 foram eleitas como o grande projeto de leitura da escola. Muitos professores abraçaram o projeto e nossa ideia é publicar um livro com todo o material produzido.
Fonte: www.porvir.org