Carta Aberta à sociedade baiana
A todo povo brasileiro.
Prezados,
Nós, professores especialistas, mestres e doutores das áreas de biologia, geologia, hidrologia,
engenheiros agrônomos, ambientais e florestais, turismólogos, estudantes, jornalistas, universidades
e representantes de dezenas de municípios e de mais de 50 entidades e comunidades que atuam na
região da Chapada Diamantina, estamos alarmados com a situação das águas do Rio Paraguaçu e seus
afluentes.
Em debate, identificamos que a Chapada Diamantina, considerada a “caixa d’água da Bahia” e um dos
patrimônios ambientais mais relevantes do planeta, está rachada e em processo de desertificação.
Mas nenhuma atitude de prevenção ao problema foi tomada. Ao contrário. A gestão dos recursos
hídricos na Bacia do Paraguaçu tem se revelado desastrosa.
O estopim da nossa mobilização foi a portaria No 16.747/2018, do Instituto de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos – INEMA, que concedeu em 23 de agosto, à empresa Agropecuária Chapadão Ltda,
o direito de captação de 25 milhões de litros de água durante 20 horas por dia, todos os dias, no Rio
Santo Antônio, na Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, para fins de irrigação por aspersão com pivô
central, no município de Palmeiras.
Em análise técnica, identificamos que:
1. A medida compromete a perenidade do Rio Santo Antônio, um dos principais afluentes do
Paraguaçu na atualidade, e o único que mantém a região do pantanal do Marimbus no Parque
Nacional da Chapada Diamantina, e o próprio Paraguaçu vivos em tempos de estiagem.
Moradores do entorno verificaram que hoje, no ponto onde já existem 04 pivôs, já se
compromete o curso da água. Quando estes estão ligados, o Rio abaixa mais de 15
centímetros. Com a instalação de mais 15 previstos, temem que se comprometa até mesmo o
curso subterrâneo.
2. O ponto de captação da água autorizado nesta outorga é incompatível com o Plano de Manejo
da Área de Preservação Ambiental (APA) Marimbus-Iraquara, pois se encontra dentro de uma
Zona de Preservação de Cavernas (ZPC), Zona de proteção da vida silvestre (ZPVS) e Zona de
Turismo Ecológico (ZTE), sobre as quais há várias legislações pertinentes. Também deveria
estar regulado segundo a Lei de Preservação da Mata Atlântica. E se já estivesse decretado,
ficaria dentro da área da zona de amortecimento do Parque Nacional da Chapada Diamantina.
3. Abaixo ao ponto de captação, o Rio Santo Antônio atravessa zonas preservadas de Mata
Atlântica e de proteção de animais da vida silvestre, reservas ambientais, e abastece mais de
30 comunidades. Todos devem ser diretamente atingidos tanto pela escassez hídrica quanto
pela contaminação dos resíduos e agrotóxicos utilizados no modelo agroindustrial.
4. Mais de 10 rios da região como o Rio Cochó e o Rio Utinga já secaram ou estão seriamente
comprometidos por falta de gestão e priorização no uso adequado dos recursos hídricos na
Chapada Diamantina. Até mesmo o rio Paraguaçu hoje não tem mais capacidade de abastecer
cidades como Mucugê, sequer para consumo humano.
5. Estima-se que a irrigação constante e a movimentação intensiva de máquinas agrícolas em 406
hectares na propriedade da outorga comprometam cavernas e provoquem dolinamentos, ou
desmoronamentos, em uma rede subterrânea de lençóis freáticos e mais de 200 grutas e
cavernas já identificadas pela Sociedade Baiana de Espeleologia. Nestas cavidades, estão sítios
arqueológicos e paleontológicos preservados, com constantes descobertas de pinturas
rupestres, e animais fossilizados. Também preocupa o risco direto sobre as propriedades e
populações das imediações, devido à dissolução do solo calcário intensificada pelas chuvas
artificiais provocadas pelos 19 pivôs de irrigação.
6. O empreendimento deve também afetar os destinos turísticos como a Pratinha, que é um dos
rios que formam o Santo Antônio. Também limitará a visitação nas cavernas do entorno, e
inviabilizará o destino do Marimbus, vendido como “o pantanal baiano”.
7. Economicamente, se questiona o argumento de que este modelo do agronegócio na região
gerará empregos. Nos outros empreendimentos do setor, estas ocupações são, em sua
maioria, temporárias, precárias e priorizam a mão-de-obra de outras regiões do estado. E
principalmente afetam o turismo e a agricultura tradicional já desenvolvida pelas comunidades
às margens dos rios. A exemplo, no Rio Utinga, 930 famílias perderam a produção, ficaram
endividadas e sem água sequer para o consumo humano no verão de 2017 por conta da
irrigação de dois milhões de pés de banana.
8. A situação não é nova e se acumula. Pois o mesmo modelo de irrigação já compromete as
barragens do Apertado e Bandeira de Melo ao sul do Parque Nacional da Chapada Diamantina.
Ao norte do PARNA, o rio Utinga vem secando em média 5km/ano e já não apresenta vazão a
30km da sua foz. Em outras regiões a empresa se instalou, identificamos problemas similares,
como em Correntina no oeste da Bahia, ou no Rio Arrojado em São Paulo, com as populações
e a conservação ambiental seriamente afetadas. O que nos faz temer que a questão ecológica
e a responsabilidade social não sejam uma política no empreendimento.
9. Na Chapada Diamantina, muitas dessas questões já foram denunciadas aos órgãos
competentes, como Ministério Público e INEMA, mas nenhuma providência foi tomada.
Destaca-se inclusive que a Gestão do Comitê de Bacia do Paraguaçu é presidida pelo
representante do Agropolo de Mucugê, o que é um conflito claro de interesses em um órgão
que deveria regular o setor. No INEMA regional, a indicação política para os cargos parece
comprometer a capacidade técnica de fiscalização e gestão dos recursos hídricos na região.
Por todas essas questões, criamos o movimento SOS ÁGUAS DA CHAPADA DIAMANTINA e
contamos com seu apoio. Entre as nossas reivindicações, solicitamos a suspensão imediata da
outorga até que seja apresentado o Plano de Gestão da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, entre
outras medidas. Contamos com você para que estas reflexões cheguem às autoridades
competentes para que providências sejam tomadas, aos candidatos para incluam a defesa dos
nossos rios em suas agendas, e à toda sociedade brasileira para que evitemos mais uma tragédia
anunciada.
Seabra, 04 de setembro de 2018.
Lista de presença da representações, entidades e profissionais presentes na Reunião SOS Chapada
Diamantina
ABCCD – Associação de Bombeiros Civis de Seabra
ABCSP – Associação de Bombeiros Civis Socorristas e Brigadistas de Palmeiras
ACVL – Associação de Condutores e Visitantes de Lençóis
Associação Comunitária do Molha Gibão
Associação do Remanso – Lençóis
Associação do Vale do Cercado – Palmeiras
Associação Quem Ama Castra de Seabra
Associação Recrearte
BCSBI – Associação de Bombeiros Civis Socorristas e Brigadistas de Iraquara
CAR – Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional
CEEP – Centro Estadual de Educação Profissional Letice – Seabra/Ba
CEFORC
Centro Educacional de Seabra
CETEP – Centro Técnico de Educação profissional da Chapada Chapada – Wagner/BA
CODETER – Colegiado de Desenvolvimento Territorial da Chapada Diamantina
Colégio Filinto Justiniano Bastos – Seabra/Ba
Comissão de Meio Ambiente do Vale do Capão
Comissão de Meio Ambiente do Vale do Capão
Consultoria Centro da Terra – Lençóis
Consultoria Origem Ambiental – Seabra
Diocese da Barra – BA
Escola Jorge Amado – Seabra/Ba
Grupo Defesa Ambiental e Brigada Incêndio Marcha
IBBIO – Instituto Barro Branco de Interação de Lençóis
ICMBio – PARNA Diamantina
IF Baiano – Campus Itaberaba
IFBA – Instituto Federal da Bahia – Seabra/Ba
Instituto Federal Baiano – Itaberaba
Instituto Korango Consultoria – Salvador
Instituto Nascentes do Paraguaçu
IPAC – Instituto do Patrimônio Cultural – BA
Ipeterras – Irecê
JIVA – Junta Independente Voluntária Ambiental
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
ONG Casa de Maria – Palmeiras
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde de Seabra
Paróquia São Sebastião de Seabra
Rede Sustentabilidade
Replant.com Consultoria
Secretaria de Desenvolvimento Turismo e Meio Ambiente de Seabra
Secretaria de Meio Ambiente, Agricultura e Turismo de Iraquara
Secretaria de Meio Ambiente, Agricultura e Turismo de Palmeiras
SINDAE – BA
Sociedade Baiana de Espeleologia
SOLTECA
UEFS – Universidade de Feira de Santana
UFBA – Universidade Federal da Bahia
Umbú/Jibaí – Irecê
UNEB – Universidade Estadual da Bahia
Empresários, profissionais autônomos e liberais de comércio e serviços, especialistas áreas de
geologia, biologia, agronomia, educação, jornalismo, arquitetura, fotografia, assessoria de vereador,
assessoria de imprensa, advocacia e turismo
Representantes da sociedade civil de diversos municípios da Chapada Diamantina,
E conselheiros da APA Marimbus – Iraquara